No Princípio Estava o Mar

15:16



“Várias vezes tive a sorte de me sentir leve e espiritual na minha vida. Nesse verão dos 11 anos a subir arvores no parque, anos depois a caminhar com os escuteiros de madrugada nas montanhas, já na idade adulta no deserto da Namíbia à volta duma fogueira a olhar para as estrelas, ou simplesmente em casa a olhar para a chegada do Outono, uma noite de luar a navegar, Mozart por acaso na rádio. Mas as experiências mais intensas, mais leves, mais espirituais que eu atravessei passaram-se dentro de água, a fazer surf.” Gonçalo Cadilhe

Já houve tempos em que duvidei da capacidade da literatura em expressar fielmente certas emoções, sim claro a poesia é uma categoria que consegue atingir isso com certa proeza, mas de qualquer modo ela comunica sentimentos comuns a qualquer ser humano, já que todos em algum momento já experimentaram emoções como a alegria, tristeza, deleite, ciúmes, compaixão, melancolia. Mas e quando tentamos expressar algo que fica restrito a um grupo de pessoas, algo como o surf, será a literatura capaz de expressar essas emoções? Sendo que o mundo não é feito só de surfistas (e ainda bem que não), muitos de nós já sentira a necessidade de traduzir em palavras os estados de alma que vêm do surf, e acabamos por descobrir que seria mais fácil tentar descrever uma cor em palavras.

Em certa medida revisei as minhas dúvidas quando li o livro de Gonçalo Cadilhe, “No princípio estava o Mar”, Surfista e viajante profissional Gonçalo escreve com uma simplicidade com uma leveza, que oferece deleite e que só se compara aqueles dias em que as ondas estão perfeitas, vítreas e sem crowd. Confesso que o livro colocou em incerteza a já tão conhecida meia verdade de que “Somente um surfista pode saber como é”. Abertamente poucas vezes na vida li um autor que pudesse escrever de forma tão intensa e poética, não só sobre o surf, mas sobre qualquer coisa. 

O autor Gonçalo Cadilhe escrevendo crónicas liquidas.

É de se admirar que pela qualidade do livro, não seja tão conhecido e com traduções em outras línguas, como disse João Valente no prefácio: ”nas paginas que se seguem encontram-se algumas das mais pungentes e líricas palavras já dedicadas ao surf” . Como uma colectânea de pequenos textos sem uma sequência cronológica o autor nos fala de amizades de seu amor pelo mar e pelo surf, perfeito para ler em qualquer lugar.

“As ondas também são assim: beleza pura em liberdade, Estão ao alcance de todos, mas só repara nelas quem tem sensibilidade para isso: os poetas, os jovens nas primeiras paixões, os fotógrafos amadores. E alguns surfistas, mas não muitos.”

A incerteza permanece… Será que só sentimos e compreendemos o que autor tenta dizer pelo fato de também sermos surfista, ou as palavras conseguem mesmo expressar o êxtase que sentimos quando estamos no mar? Enfim “No princípio estava o Mar” Uma obra a ser avaliada por todo o surfista que se preze, ou talvez alguns surfistas… mas não muitos.

 Site Oficial:Gonçalo Cadilhe

Texto:Fninga
Imagens:Fninga/Internet

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