Fninga Surf Kultura

Já parou alguma vez para pensar que em todas as formas de veneração ou devoção, religiosa ou não, existem certos períodos que a nossa fé e fervor assumem uma intensidade diferente? Períodos que demandam mais de cada um de nos, como se tivéssemos que provar que realmente Amamos o objecto da nossa adoração?

Se fores Muçulmano a época do Ramadão, os Cristãos a Pascoa e para os Hinduístas uma infinidade de festivais durante o ano. Apesar de serem épocas intensas nem sempre significam tempos fáceis, muitas vezes deixamos pedaços significativos do nosso bem-estar físico, mental e social nos nossos cultos. Os Surfista que digam isso na sua relação com o Inverno.

Joselito do Rosário é um shaper Cabo-verdiano, estabelecido em Portugal e ultimamente tem se tornado proeminente na cena surf nacional. Se fazes parte da cultura surf por aqui provavelmente já ouviste falar dos troféus oferecidos durante a Blue Wax Fest. Quem conhece o nosso povo sabe que somos dotados de um talento para criar, em muitas ocasiões transformando o pouco em muito, e como Kauberdiano que é, Joselito não foge à regra.

A sua paixão e dedicação têm sido cada vez mais reconhecido por aqui, numa área em que até agora muitos cabo-verdianos não se aventuraram, a arte de fazer os brinquedos que levamos à água, as pranchas. Partilhamos um domingo de verão com Joselito, em meio a actuação na sala de shape, no papel de Pai, enquanto partilha o tempo com o filho Gabriel pudemos conversar e perceber um pouco da sua jornada. 

Como a maior parte dos emigrantes o seu percurso foi e têm sido repleta de desafios, mas que meticulosamente trabalhados têm cada vez dado os seus frutos.  Rapaz de índole tranquila, nasceu em São Vicente e cresceu praticamente em Mindelo, até se mudar para Portugal em 2012 depois de ter se casado. 

Criar pranchas foi uma circunstância do acaso “tinha acabado de chegar em Portugal e foi a primeira oportunidade de emprego que encontrei”. Joselito trabalhava na área de construção, foi para fazer a divisão das salas de shapes, e os donos da obra logo perceberam que ele tinha talento para as artes manuais e o convidaram para ficar. Para se tornar um shaper, teve que gradualmente ir aprendendo o ofício, começando na sala dos copinhos (artefacto que conecta as quilhas à prancha), passando para a lixa, mais tarde a laminação e só depois o shape em concreto. Nesse processo teve influências de shapers como o Lufi, Raul Wanderlich e Daniel Bartoli dois dos últimos com quem teve a oportunidade de trabalhar, um processo que nas suas próprias palavras lhe foi “muito interessante que exigiu muita dedicação e esforço, porem o resultado foi-me e é-me gratificante”. 

Semelhante ao momento actual em que o processo de criação de pranchas está cada vez mais abrangente, a arte de Joselito não se resume somente as pranchas ditas de performance, ou seja, triquílias. Cada vez mais, surfistas já não se limitam a surfar pranchas parecidas como as que são usadas pelos profissionais que formam o circuito mundial, mas sim uma grande variedade de formatos diferentes que permitem uma conexão melhor com as condições locais, e é essa a sua vontade, inovar, dedicar-se a fazer um pouco de tudo desde longboards, twin fins, short boards, e inspirações do passado (retrôs). 

Apesar de viver no estrangeiro, mantém estreita relação com a terra natal, o lugar que ama muito e que esteve e surfou pela última vez em 2017. Acredita Cabo verde tem um grande potencial para o surf, com boas e lindas praias, tudo para desenvolver e dar mais a conhecer essa actividade, mas que ainda precisamos de mais apoios e divulgação e que o Governo devia investir para dar mais a conhecer mais o Surf em Cabo Verde. 

JR tem muitos projectos todos relacionados com surf e Cabo Verde, que mantém em privado por ainda estarem em fases iniciais, mas que estão a chegar. Assim como o próximo set, esperamos ansiosamente pelo que está por vir. 

Já tinha boas referências em relação ao lugar, mas como a palavra não é a coisa, queria experimentar por mim mesmo, sentir na pele a temperatura da água, espantar-me com a quantidade de ouriços que há no lugar, “o pessoal que surfa aqui deve ser louco pensava eu”. E na verdade eram, como é possível não perder as noções de realidade quando se tem a chance de viver num lugar com tanta graciosidade.

Havia uma mística única, que vinha impregnado no ar salgado e penetrava terra dentro, acariciava os ramos das árvores e deixava a terra húmida. As ondas estavam boas, mas senti que precisava de algo a mais, de algo primordial, precisava era de solidão. Existe algo de perturbador mas ao mesmo tempo revelador no ato de surfar sozinho, e la fui á procura desse tal pico que tinham-me falado, em que as ondas não eram tão boas mas eram sozinhas.

As acácias ditavam um caminho numa espécie de labirinto que não sabia onde terminava mas seguia confiante. Ao fim da última curva para a esquerda chego a um começo de baía perfeita tinha no outro extremo montanhas. Nesse exacto instante vejo entrar uma série que me faz pular de alegria. Como já me tinha dito a onda não estava com um tamanho convidativo mas era absurdamente perfeita, imaginei como deveria ser nos seus dias. Demorei a encontrar o caminho por entre as pedras e os ouriços, “o pessoal que surfa aqui deve ser louco” pensei eu outra vez”, e quando o encontrei tive que remar bastante. 

Surfei algumas boas ondas, um dos lugares mais lindos onde já estive com uma prancha, mas o melhor foi sentar ali e contemplar a beleza única do lugar. Notei que havia uma árvore solitária no topo de uma das montanhas, e suponho que ela também tenha notado esse minúsculo ponto num dos cantos da baía. Numa espécie de comunhão espiritual partilhamos o entendimento um do outro, de como é bom estar consigo mesmo. 

Quero voltar brevemente, quem sabe dessa vez as ondas estejam melhores, mas com certeza sei que la estará a árvore, apreciando a beleza do lugar e em paz consigo mesmo

Texto:Fninga

Fotos: Fninga